EM TELEFÉRICOS DO RIO, PASSAPORTE PARA O ABANDONO

04/04/2018 - O Globo

Na Providência, a Estação Américo Brum, no alto da favela: cerca de cinco mil moradores eram beneficiados pelo meio de transporte Foto: Marcelo Régua / Agência O Globo

Parados há mais de um ano, equipamentos do Complexo do Alemão e da Providência sofrem com falta de conservação.

Na Providência, a Estação Américo Brum, no alto da favela: cerca de cinco mil moradores eram beneficiados pelo meio de transporte - Marcelo Régua / Agência O Globo

POR GERALDO RIBEIRO

RIO - Juntos, eles custaram R$ 328 milhões e transportavam mais de 20 mil passageiros por dia. Porém, há mais de um ano os moradores do Complexo do Alemão, na Zona Norte da cidade, e do Morro da Providência, no Centro, não contam mais com os dois teleféricos, que viraram símbolos nessas favelas. Sem manutenção, os equipamentos sofrem com a ação do tempo, a falta de uso e a depredação. Apesar da importância que têm para as comunidades, ambos seguem abandonados, sem previsão de voltarem a funcionar.

ESTAÇÃO VIROU BASE DA PM

Fechada desde dezembro de 2016, quando o serviço foi suspenso na Providência, a Estação Américo Brum é o retrato do descaso: luminárias, fios e cabos de aço caídos no chão, vidros quebrados e portas e vasos sanitários arrancados. Além disso, roubaram aparelhos de ar-condicionado, e há lixo por toda a parte. A situação só não é pior porque o espaço virou base de observação da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), devido à localização privilegiada.

— É um abandono só. Faz muita falta. Quando preciso ir ao mercado lá embaixo, pago R$ 3 para ir de Kombi. O teleférico era de graça e, mesmo se tivesse cobrança, compensaria por ser mais rápido e confortável — afirmou a dona de casa Ivonete da Silva, de 54 anos, que utilizava o meio transporte duas vezes por dia.

O servente Luiz Carlos de Deus, de 49 anos, também sente saudades do tempo em que o teleférico funcionava e fazia viagens de cinco minutos até a Central ou até a Gamboa. Hoje ele diz que caminha de 15 a 20 minutos para subir e descer a favela.

No Complexo do Alemão, a população também sente a falta do serviço. Atrás da Estação Morro do Adeus, fechada desde setembro de 2016 e sem nenhuma vigilância, chamam atenção várias peças de gôndolas desmontadas. Jogado numa área tomada pelo mato, o material está exposto à chuva e ao sol. Com a paralisação do transporte, que era gratuito para moradores cadastrados, também foram suspensas aulas de balé e capoeira para crianças. No local também funcionava uma agência bancária, que empregava quem vive na favela.

— Hoje, só temos duas opções para descer a comunidade: mototáxi ou táxi— reclama Ana Santana, de 39 anos, que vende balas e bebidas, em frente à estação desativada.

O teleférico da Providência, inaugurado em julho de 2014, fazia parte do programa de reurbanização Morar Carioca, da prefeitura do Rio, e atendia cerca de cinco mil moradores. O equipamento, com 16 gôndolas e capacidade para transportar mil pessoas por hora em cada sentido, recebeu investimento total de R$ 75 milhões.

A Companhia de Desenvolvimento Urbano da Região do Porto do Rio de Janeiro (Cdurp), que administrava o serviço, informou que o contrato de operação venceu em dezembro de 2016 e o novo termo já está pronto, aguardando orçamento para liberação do edital.

PEÇA FOI FABRICADA NA ÁUSTRIA

O teleférico do Alemão é mais antigo. Inaugurado em julho de 2011 pelo estado, com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), custou R$ 253 milhões. O sistema tinha 3,5km de extensão e 152 gôndolas com capacidade para oito passageiros cada. A viagem da primeira estação (Bonsucesso) até a última (Palmeiras) levava cerca de 16 minutos. Operado inicialmente pela SuperVia, sem licitação, em março de 2016 a gestão passou para o Rio Teleféricos, concessionária formada pelas empresas Hanover Administradora de Bens Próprios Ltda e Providência Teleféricos Ltda.

O serviço foi suspenso durante uma manutenção, sob a alegação de que havia desgaste num dos cabos de tração, sendo necessária a paralisação preventiva, seguindo normas internacionais de segurança. Em setembro de 2017, após um ano parado, O GLOBO informou que o consórcio havia notificado o estado pela falta de repasses mensais no valor de R$ 2,7 milhões, desde abril de 2016. Na ocasião, a dívida somava R$ 43 milhões, sem os juros.

A Secretaria estadual de Transportes informou apenas que a retomada do teleférico depende da troca do cabo, que foi fabricado sob medida na Áustria. Ainda segundo o órgão, “o equipamento está pronto e virá para o Brasil tão logo o estado tenha os recursos necessários para a retomada do serviço.” Procurado, o Rio Teleféricos não havia se pronunciado até o fechamento desta edição.